Porque há memórias, receitas, cheiros e sabores que aquecem a alma, que nos alimentam o espírito, hoje, 21 de dezembro, recordo com saudade os aromas e os sabores aconchegantes dos natais da minha meninice. Estes eram únicos, bem como toda a euforia e entusiasmo que irradiava desta quadra festiva!
Tudo
começava com a recolha de pequeno e finos toros de madeira que iriam, depois de
acesos, fazer ferver o azeite, numa sertã/frigideira de três pernas, que
fritariam as tão deliciosas de bolas de natal, também conhecidas por filhós.
Eu segurava no alguidar,
e com a força que
parecia não ter, a minha mãe com a massa até ao cotovelo amassava e voltava a
amassar, batia e socava a massa uma e outra vez. Quando esta se soltava bem das
mãos estava pronta para levedar. Depois de polvilhada com farinha, era coberta
com um pano branco e colocada junto da lareira para que crescesse bem e
rapidamente.
Sentada
num pequeno banco de madeira, com um pano branco nos joelhos, a minha mãe fazia
bolinhas de massa que, depois de molhadas em azeite numa pequena tigela junto à
lareira, tendia sobre o joelho fazendo a bola/a filhó e colocava-a no azeite.
Eu gostava delas finas, quase transparentes! Eu, ao seu lado, com um garfo
grande, virava, com cuidado e carinho, cada filhó. Depois de bem douradas e bem
escorridas eram polvilhadas com açúcar e canela, guardas num tabuleiro ou num
cesto e cobertas com uma toalha branca.
Adorava-as
e adoro-as quentinhas, acabadas de fazer! Estas eram comidas não só na noite de
consoada, no dia de Natal, mas também ao longo da semana até ao Ano Novo.
Para que a tradição natalícia fosse
cumprida na noite de consoada comia-se o bacalhau cozido, o arroz de polvo e as
migas /açorda de bacalhau e couve penca. Na sobremesa não podia faltar as
filhós, o arroz doce e as rabanadas e salpicadas com canela.
Ainda, na noite de 24 de dezembro,
enquanto alguns jovens andavam de porta em porta a cantar “As Boas Festas”,
outros cavaqueavam e aqueciam-se junto do gigantesco cepo / madeiro que ardia
no largo da igreja. Este era ateado no entardecer da véspera de Natal e ardia
até ao Dia dos Reis. Nos dias anteriores os rapazes da aldeia iam roubar
grandes troncos e raízes de árvores que depositavam no adro da igreja. Hoje
pessoas de todas as idades continuam a juntar-se e a conviver em redor do cepo
/ da fogueira, aproveitando o lume
do braseiro para assar e saborear frangos e febras de porco.
Ao deitar e antes da meia-noite, colocava o meu sapato na
chaminé da lareira, na esperança que o Menino Jesus lá deixasse uma prendinha.
Ele nunca deu com a minha casa, a prenda nunca apareceu mas, no dia de Natal,
eu podia exibir-me e com vaidade com uma roupa nova.
Não posso esquecer e deixar de referir o presépio e a Árvore
de Natal, que eram construídos juntos para que o pinheiro protegesse a gruta do
Menino Jesus. Era também uma grande azáfama! Após cortarmos o pinheiro,
arranjarmos o musgo, fazíamos a Árvore de Natal, enfeitando-a com bolinhas e
fitas brilhantes. Por baixo montávamos o presépio com montes e vales, rebanhos
e pastores e uma gruta que albergava o Menino Jesus, Nossa Senhora, S. José e o
burrinho e vaquinha. Claro que não podia faltar a Estrela de Belém e os três
Reis Magos!
Sou fã e colecionadora de presépios, tenho muitos (cerca de oitenta) e já fiz muitos, mas nunca consegui fazer um tão bonito como aqueles que recordo da minha infância!
Fernand@maro