De todos os trabalhos do campo, a vindima era aquele que eu mais gostava, não só pela azáfama e dinamismo familiar, mas também pelos momentos de alegria e emoção.
A vindimas são uma época do ano especial, que abrange todas as atividades que decorrem entre a apanha da uva e a produção do vinho. Estas ocorrem entre setembro e outubro, quando as uvas já estão maduras. Quando os pés das uvas estão murchos e as peles dos bagos começam a encolher, estas estão prontas a serem colhidas.
Recordo com saudade as vindimas da minha infância e da adolescência, a atividade intensa salpicada de alegria e de constante boa disposição. Era um trabalho em que toda a família se envolvia, era um ato de amor e de união, o reencontro de amigos, um trabalho partilhado em sintonia e harmonia. Um sorriso fácil, um abraço de conforto que matava a saudade, uma autêntica celebração! Contavam-se histórias, havia conversas de mal dizer, assim como se cantavam modas da época e se namoriscava com o rapaz ou rapariga do agrado de cada um.
Fizesse sol ou chuva, a apanha das uvas começava bem cedo para aproveitar todas as caraterísticas de cada cepa. As pessoas distribuíam-se pelos valados e apanhavam os cachos de uvas à mão ou cortavam-nos com ajuda de um canivete ou de uma tesoura, processo, ainda, utilizado nas vindimas do Douro.
Depois de uma manhã inteira a vindimar, chegava o descanso merecido com um almoço nutritivo, sempre em ambiente de festa. Desses almoços tenho saudades do sabor e aromas inconfundíveis das sardinhas assadas na fogueira feita com vides. Sabores e cheiros que nunca mais os vivenciei!
Todo este ambiente era um verdadeiro manjar para as atarefadas abelhas que procuravam o néctar nas doces e suculentas uvas ou nas saborosas sardinhas. Dessas não tenho saudades, visto que fui mais de que uma vez ferrada.
À noite, o trabalho e as celebrações continuavam, nos lagares de pedra, onde homens e rapazes, de calções ou calças arregaçadas, em linha ou em roda, davam os braços e ao ritmo da música, pisavam as uvas colhidas ao longo do dia. Primeiro era o corte, em que os homens formados em linha, com os braços nos ombros uns dos outros, esmagam as uvas, sem deixar nenhum centímetro quadrado por pisar. Depois o grupo separava-se e cada um trabalhava livremente.
Ainda hoje não compreendo porque esta tarefa era proibida às mulheres! Apesar dos meus pais me proibirem, eu, sempre, que podia ia espreitar os homens que no lagar pisavam as uvas. Aproveitava, também, ir com a minha mãe quando esta levava a merenda para os pisadores.
Após a fase de fermentação que durava várias horas, mais de vinte e quatro, o lagar era novamente trabalhado. Era pisado para que a parte sólida, que se formava na superfície do lagar, se misturasse com a parte líquida e haver uma maior extração de cores, aromas e sabores.
Por fim com o grau alcoólico atingido, deixava-se, por algumas horas, o lagar descansar para que a parte sólida ficasse à superfície. Depois abria-se a torneira na base do lagar e o mosto era transferido para pipas ou tonéis de madeira, atividade em que toda a família participava. Em casa dos meus pais havia um tonel enorme, não sei de quantas pipas, cuja altura era a mesma da adega. Por isso era enchido com cântaros a partir de primeiro andar.
Fernand@maro
Written
on 18/08/2021